Por Letícia Arcoverde | De São Paulo
Junto com a promoção a um cargo de gerência que Fernanda Abraão recebeu na Unilever, vieram novos desafios, como a responsabilidade de gerir uma equipe pela primeira vez. A resposta para lidar com as novidades da função foi o coaching, ferramenta muito usada por empresas para desenvolver lideranças. Mas no caso de Fernanda, esse foco foi mais além: o coach era, também, um líder da companhia.
A história é uma de muitas que saíram do programa de coaching interno da Unilever, lançado no ano passado. Por meio dele, profissionais prestes a assumir cargos de gerência ou que, como Fernanda, eram recém-promovidos a essas posições, puderam escolher diretores da organização para participar de sessões regulares nas quais tratam das principais dificuldades que surgem com um cargo de comando. “O objetivo é acelerar o aprendizado nessas posições e preparar melhor quem já está identificado como potencial líder”, explica Jéssica Hollaender, diretora de recursos humanos da Unilever.
Seis meses depois de assumir a gerência de desenvolvimento de cliente, Fernanda escolheu Marcelo Costa, diretor de trade marketing que já conhecia, para ajudá-la a lidar, principalmente, com questões de gestão de pessoas. “A transição entre fazer e passar a delegar tarefas, além de motivar e orientar as pessoas para que elas entreguem o melhor que podem, é um desafio”, diz Fernanda. Em encontros mensais e conversas informais, facilitadas pelo fato de trabalharem no mesmo andar, os dois estabeleceram objetivos e focaram o desenvolvimento profissional de Fernanda.
Costa não era seu chefe direto – um dos requisitos estabelecidos pela empresa para a escolha do coach – o que facilitou na hora de discutir suas dificuldades. “Falamos das minhas fraquezas, mas sem medo de influenciar na avaliação”, diz Fernanda. Hoje, ela se considera mais preparada para o trabalho e diz lidar melhor com as pressões. Recentemente, ela mudou de área na empresa e assumiu a gerência de trade marketing. Agora, trabalha diretamente com o antigo coach.
O programa foi lançado há um ano em todo o Brasil, para cerca de cem profissionais, entre diretores e potenciais líderes. Segundo Jessica, 80% dos convidados aderiram, mais do que o esperado pela empresa. A recomendação era que os profissionais convidassem líderes com quem tinham uma relação de confiança ou de admiração. “É uma abertura para se aproximar de gestores de outras áreas”, afirma Jessica, que recebeu quatro convites e foi coach de dois deles. Um manual e cursos on-line sobre a ferramenta foram oferecidos para que líderes e novos gerentes aprendessem mais sobre a prática.
Além de Fernanda, Costa teve dois outros “coachees”, em Curitiba e no Rio de Janeiro, que não conhecia antes de começar o programa. Ele tentou fazer pelo menos os primeiros quatro encontros presencialmente, conciliando viagens, e depois manteve o contato por telefone. A experiência também foi positiva para fazer com que ele avaliasse a própria carreira. “Normalmente ficamos sem tempo para pensar nesses temas”, diz. “Isso trouxe um crescimento muito importante dentro da operação.”
Para a gerente de negócios da consultoria Crossing BPI, Cláudia Facci, transformar os próprios líderes em coachs traz vantagens e desvantagens. Por um lado, o profissional tem um conhecimento melhor da empresa, o que ajuda na hora de saber o que precisa ser melhorado no funcionário. Ao mesmo tempo, a hierarquia pode ficar no caminho.
“Coaching é para conversar sobre as expectativas do profissional em sua carreira e ao mercado, não só em relação à empresa”, diz. Elaine Saad, vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), também alerta que um coach externo pode ter mais facilidade para fazer o profissional se abrir em relação aos assuntos do dia a dia na empresa e o relacionamento com os colegas.
A Natura começou no ano passado a adotar o coaching integral também com executivos próprios, o que faz parte da estratégia da empresa de ter “líderes formando líderes”. Cinco executivos passaram por um treinamento de oito meses com uma equipe do Canadá, e atualmente mais cinco estão sendo capacitados. Os nomes foram escolhidos não apenas pela senioridade, mas também pela maturidade na forma de gerir pessoas.
Segundo Marisa Godoi, gerente de desenvolvimento que também se tornou coach de quatro profissionais, a escolha por usar gestores internos ajuda a criar uma proximidade entre os níveis. “A prática abre nossas possibilidades”, diz. O coaching integral trabalha diversas linhas de desenvolvimento – desde o emocional à saúde física -, por meio de encontros a cada 15 dias, “tarefas de casa” e um diário de atividades. “O objetivo é fazer a pessoa parar e se observar, para fazer mudanças”, explica.
Os profissionais escolhidos para o programa são mapeados pela empresa como jovens líderes que precisam desenvolver certos aspectos do trabalho. Até agora, 25 pessoas já foram contempladas, como Andrea Santos, gerente de atendimento. Vinda de uma consultoria com cultura organizacional bastante diferente, ela estava na Natura há nove meses quando foi convidada a participar do coaching.
Ao longo de seis meses, trabalhou questões relacionadas à gestão da equipe de 16 pessoas na sua área. “Fizemos uma sequência de atividades para mudar minha postura”, diz. “Hoje, o time está mais independente e tem mais espaço para produzir”. Segundo Andrea, que diz que se sente uma líder 80% melhor, tanto sua equipe quanto seus gestores sentiram o resultado.
Fonte: jornal VALOR ECONÔMICO – 22outubro2012