Tudo isso já foi feito, mas ainda há espaço para novas conquistas. A promessa desse maravilhoso sistema de cooperação humana está longe de ser totalmente cumprida. Boa parte do mundo ainda não adotou os princípios essenciais do capitalismo de livre-iniciativa e, em consequência, a prosperidade e a satisfação coletivas ainda estão aquém do que poderiam.
Grande parte do século 20 pode ser visto como uma guerra intelectual travada entre duas filosofias sociais e econômicas opostas: o capitalismo de livre-iniciativa, baseado em mercados e pessoas livres, e o comunismo, marcado pela ditadura e pelo controle econômico por parte do Estado. Por todos os indicadores mensuráveis, o capitalismo ganhou a batalha. Social e economicamente, os Estados Unidos evoluíram bem mais do que a União Soviética, principal rival comunista. O mesmo aconteceu entre as duas Alemanhas, as duas Coreias, e com Taiwan, Hong Kong e Singapura em relação à China. Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, vários países começaram a se voltar para a liberalização política e econômica nas décadas de 1990 e 2000, conforme ficaram mais conhecidos os sombrios resultados das experiências socialistas do século 20. À medida que ganhava força essa transição para uma maior liberdade, muitas nações viveram um rápido crescimento econômico, e centenas de milhões de pessoas conseguiram escapar da pobreza.
Grande parte do mundo ocidental tem se beneficiado dos frutos do capitalismo de livre-iniciativa há cerca de dois séculos. O sucesso do sistema em melhorar a qualidade de vida sob diversos aspectos é uma das histórias mais extraordinárias, porém pouco compreendidas, dos últimos 200 anos, uma vez que permitiu o progresso em ritmo inédito. Vejamos os fatos:
No livro Bourgeoisie dignity, Deirdre McCloskey, economista da Universidade de Illinois, em Chicago, defende que os fatores mais importantes para o sucesso do capitalismo de livre-iniciativa são o empreendedorismo e a inovação, combinados com a liberdade e a dignidade para quem atua no mundo dos negócios.As invenções que mudaram o mundo (automóvel, telefone, gasolina, internet, antibiótico, computador, avião) não surgiram espontaneamente ou por decreto, mas exigiram enormes esforços de inovação. A criatividade humana, em parte individual, mas sobretudo de caráter colaborativo e cumulativo, está na raiz de todo progresso econômico.
Os empreendedores são os verdadeiros heróis de uma economia de livre-iniciativa, uma vez que comandam o progresso no mundo dos negócios, da sociedade e do planeta. Solucionam problemas ao imaginar novas formas de como o mundo poderia ser e funcionar. Com sua imaginação, criatividade, paixão e energia, são os maiores indutores de mudança no mundo. Conseguem descobrir possibilidades e enriquecer a vida dos outros ao realizar coisas que jamais existiram.
A pedagoga Candace Allen, esposa de prêmio Nobel de Economia Vernon Smith, escreveu sobre a necessidade de “heróis empreendedores” na sociedade e sobre seu impacto na vida das pessoas. “Em última análise, o herói é o representante do novo – o fundador de uma nova era, religião ou cidade; o pioneiro de um inédito modo de vida ou maneira de proteger a comunidade contra o mal; o inventor de revolucionários processos ou produtos que trazem melhorias para as pessoas em suas comunidades e para o mundo. O que vou afirmar aqui é que, no mundo moderno, os criadores de riqueza – os empreendedores – de fato abrem caminhos e são tão corajosos e ousados quanto os heróis que enfrentaram dragões ou derrotaram o mal.”
Apesar de permitir a prosperidade generalizada, o capitalismo de livre-iniciativa conquistou pouco respeito entre os intelectuais e quase nenhum afeto das massas. Mas por que o sistema é tão odiado por tantas pessoas? Será que precisa mudar? Será que precisamos modificar nossa forma de pensar?
Em vez de serem vistos pelo que realmente são – os heróis da história –, com grande frequência o capitalismo e os negócios carregam a fama de vilões e levam a culpa por quase tudo o que os críticos pós-modernos desaprovam no mundo. O capitalismo é acusado de explorar trabalhadores, ludibriar consumidores, promover desigualdades ao beneficiar ricos em detrimento de pobres, homogeneizar a sociedade, fragmentar comunidades e destruir o meio ambiente. Empreendedores e outros personagens ligados aos negócios são deplorados como pessoas motivadas basicamente por egoísmo e ganância. Enquanto isso, os defensores do capitalismo muitas vezes discursam em um jargão que, ao contrário de rebater as acusações, reforça nas pessoas a crítica ética de que capitalistas só se preocupam com dinheiro e lucros e de que as empresas só podem se redimir por meio de “boas obras” – o que é uma visão fundamentalmente equivocada.
Acreditamos que o capitalismo encontra-se sob ataque por várias razões:
Trata-se de desafios significativos, mas que devem ser superados se quisermos espalhar a liberdade, a dignidade e as conquistas da sociedade moderna para os bilhões de habitantes do planeta que ainda enfrentam necessidades extremas.
A percepção inicial do capitalismo foi construída quase exclusivamente com base na teoria de que as pessoas abrem empresas para satisfazer os próprios interesses. Os economistas, críticos sociais e líderes empresariais muitas vezes desconsideram outro aspecto – com frequência, muito mais forte – da natureza humana: o desejo e a necessidade de cuidar dos outros e de promover causas que estão acima dos interesses individuais.
Adam Smith, fundador do capitalismo moderno, identificou todas essas poderosas motivações. Em seu livro A teoria dos sentimentos morais – escrito 17 anos antes do título que lhe deu fama, A riqueza das nações –, Smith esboçou uma ética baseada na capacidade do ser humano de se solidarizar com o outro e de se preocupar com suas opiniões. Com nossa capacidade de empatia, somos capazes de nos colocar no lugar de outras pessoas, de modo a entender como elas se sentem.
Smith estava muito à frente de seu tempo, tanto no que se refere à teoria econômica quanto ao sistema ético. Se os pensadores do século 19 tivessem entendido e adotado suas filosofias econômicas e éticas, teriam sido evitados lutas e sofrimentos extraordinários ao longo dos séculos 19 e 20, derivados da disputa entre sistemas ideológicos rivais.
Infelizmente, não foi isso o que aconteceu. A abordagem de Adam Smithsobre a ética foi ignorada, e o capitalismo se desenvolveu de forma incompleta, desprovido da metade mais humana de sua identidade. Como resultado, criaram-se condições para a emergência dos grandes conflitos éticos do capitalismo, que não tardaram. Karl Marx atacou o sistema, definindo-o como inerentemente explorador dos trabalhadores. Outros teóricos chegaram a recorrer à teoria darwiniana como analogia para descrever a crueldade dos mercados. Assim como a natureza era vista tal qual cenário selvagem em que o predador aterroriza a presa, os negócios eram retratados como um ambiente frio, duro e desumanizado. Tais descrições ignoravam o elevado grau de aspirações e capacidades humanas que o capitalismo de livre-iniciativa potencialmente pode proporcionar.
Outro fator que alimentou a desconfiança em relação ao capitalismo foi o fracasso em diferenciar a ideia mercantilista do bolo fixo, ou do jogo de soma zero, do conceito capitalista de bolo em expansão. Grande parte da atual animosidade ante o capitalismo decorre do ponto de vista equivocado de que a riqueza é um patrimônio estanque a ser compartilhado por todos de forma equitativa e justa – quando, na realidade, esse patrimônio é expansível por meio da hábil combinação de recursos, trabalho e inovação. Com isso, a prosperidade de um não necessariamente implica o empobrecimento do outro. Ao contrário: se o bolo cresce, sobram fatias para mais pessoas. Essa ideia está no cerne do capitalismo e sua única e extraordinária capacidade de gerar riqueza.
Quando operam com baixo nível de consciência sobre o propósito e o impacto de seus negócios, os empresários se envolvem com uma filosofia de trade-offs que resulta em muitas consequências nocivas e não intencionais. Essas empresas veem seu propósito como a maximização do lucro e tratam todos os participantes do sistema como meios para esse fim. Tal abordagem pode ter sucesso na criação de prosperidade material a curto prazo, mas o preço resultante de problemas sistêmicos a longo prazo é cada vez mais inaceitável e insustentável. Muitas empresas não conseguem reconhecer seus impactos significativos sobre o meio ambiente, sobre outras criaturas que habitam o planeta (como animais selvagens e gado) e sobre a saúde física e psíquica de seus colaboradores e clientes. Outras oferecem condições de trabalho estressantes e frustrantes ou fomentam comportamentos de consumo insalubres ou viciantes. E há ainda aquelas que tendem a tratar isso como externalidades, fora do âmbito das próprias preocupações.
Os sintomas de disfunção e desafeto abundam no mundo corporativo. Nos Estados Unidos, o nível médio de engajamento que os colaboradores mantêm com o trabalho ficou em 30% ou menos nos últimos dez anos, e quase a maioria dessas pessoas é hostil em relação a seus empregadores. Altos executivos muito bem empregados têm manipulado o jogo para enriquecer à custa das corporações que comandam e seus stakeholders. Enquanto as médias salariais seguem estagnadas há décadas nos Estados Unidos, as remunerações dos executivos têm disparado, extinguindo a solidariedade nos locais de trabalho. De acordo com o Institute for Policy Studies (IPS), organização baseada em Washington D.C., a relação entre a remuneração do cargo de CEO e o salário médio era de 42:1 em 1980, saltou para 107:1 em 1990 e chegou ao pico de 525:1 em 2000. Nos últimos anos, tem flutuado, registrando 325:1 em 2010.
Diante disso, não é de estranhar que a reputação do mundo dos negócios tenha sido prejudicada. As corporações são amplamente vistas como gananciosas, egoístas, exploradoras e indignas de confiança. As grandes empresas, em particular, têm uma imagem terrível. O Gallup identificou uma constante queda da confiança dos norte-americanos nas corporações – de cerca de 34% em 1975 para um mínimo histórico de 16% em 2009, com ligeira recuperação para 19% em 2011.
O renitente mito de que o propósito das empresas sempre é maximizar os lucros para os investidores provavelmente surgiu com os primeiros economistas da Revolução Industrial. Mas como ele se originou? Tudo indica que de duas fontes – de uma visão estreita da natureza humana e de uma inadequada explicação das causas do sucesso nos negócios.
No intuito de formular elegantes modelos matemáticos dos sistemas econômicos, acadêmicos e economistas adotaram a visão restritiva de que nós, seres humanos, somos maximizadores dos próprios interesses econômicos, em detrimento de todo o resto. Por extensão lógica, as empresas também foram classificadas como meras maximizadoras de lucro. Essas suposições simplistas habilitaram os estudiosos a criar modelos que tentavam elucidar alguns dos mecanismos de funcionamento da economia.
Os economistas clássicos também formularam suas teorias por meio da observação e da descrição do comportamento de vários empresários e seus negócios. Perceberam corretamente que as organizações bem-sucedidas eram sempre rentáveis e que, de fato, os empreendedores responsáveis por operar tais negócios sempre buscavam a lucratividade. Empresas que não eram rentáveis não sobreviviam por muito tempo em um mercado competitivo, uma vez que os lucros são essenciais para a sobrevivência a longo prazo e o florescimento de todos os negócios. Sem lucros, os empresários não podem fazer os investimentos necessários para renovar ou trocar seus depreciados edifícios e equipamentos ou para se adaptar às evoluções do cenário competitivo. Em uma saudável economia de mercado, todas as empresas precisam buscar o lucro.
Infelizmente, os pioneiros economistas não se ativeram a descrever que os empresários sempre buscam o lucro como um importante objetivo, mas entenderam que a maximização dos lucros seria o único objetivo importante dos negócios. Logo adiante, foram ainda mais longe, asseverando que maximizar a lucratividade seria o único objetivo a ser perseguido pelas empresas. Além disso, os economistas clássicos passaram a prescrever o comportamento que observaram nos empreendedores bem-sucedidos à frente de suas operações como um modelo infalível a ser adotado por todos os empresários, todo o tempo. Como chegaram a essa conclusão?
Nos Estados Unidos, com frequência recorremos aos recursos de grandes investidores para obter o dinheiro necessário à abertura de um novo negócio – há mais de 250 anos nossa economia conta com essas reservas de capital. Não era assim, no entanto, no início da Revolução Industrial, quando não se dispunha de muito capital. Os lucros acumulados pelas empresas de sucesso de então passaram a ser a fonte de recursos à qual empresários e investidores recorriam para aplicar em novas e promissoras oportunidades, em níveis sem precedentes. Como era de esperar, os economistas encantaram-se com esse papel relevante do lucro, até então historicamente raro e que se tornou essencial para o progresso contínuo da sociedade.
O princípio da maximização do lucro ainda seria codificado em norma corporativa, com a definição na prática da responsabilidade fiduciária. Economistas e, depois, estudiosos dos negócios integraram essas ideias em seus livros, moldando o pensamento de praticamente todos os estudantes que cursaram o ensino superior nos períodos subsequentes.
Os opositores do capitalismo se valem de tais equívocos para criticar a base ética do sistema, com grande efeito. No entanto, salvo poucas exceções, os empreendedores de sucesso nunca começam seus negócios pensando em maximizar os lucros. Claro que querem ganhar dinheiro, mas não é isso que impulsiona a maioria deles. Empreendedores são inspirados a fazer algo porque acreditam que aquilo precisa ser feito. A história heroica do capitalismo de livre-iniciativa foi escrita por gente que usou o sonho e a paixão como combustível para criar valor para clientes, membros da equipe, fornecedores, sociedade e investidores.
Essa narrativa é muito diferente daquela que se vê apenas por meio da lente da maximização dos lucros. Bill Gates não abriu a Microsoft planejando ser o homem mais rico do mundo. Ele apenas vislumbrou o potencial dos computadores para transformar nossas vidas e se entusiasmou com a chance de criar um software que, de tão útil, acabaria se tornando indispensável para a maioria de nós. Gates seguiu sua paixão e acabou como o homem mais rico do mundo – mas esse foi o resultado do processo, e não seu objetivo ou propósito.
O mito de que a maximização dos lucros é o único objetivo da empresa manchou a reputação do capitalismo e da legitimidade dos negócios. Precisamos recontar essa narrativa e restaurá-la a sua verdadeira essência: a de que o propósito da empresa é melhorar nossa vida gerando valor para as partes interessadas.
O verdadeiro capitalismo de livre-iniciativa impõe às empresas uma responsabilidade clara e uma intensa disciplina. Por mais de um século, a economia dos Estados Unidos demonstrou para o mundo que esse sistema pode oferecer grandes benefícios para toda a humanidade. Deve-se a ele a criação de uma ampla e próspera classe média, o que desmente a crença imprecisa de que o capitalismo de livre-iniciativa necessariamente concentra a riqueza nas mãos de pouco privilegiados, em detrimento dos demais.
Mas, com o aumento do tamanho do governo, uma variação mutante do capitalismo também se desenvolveu, estimulada por organizações e indivíduos incapazes de competir no mercado por meio da criação de valor real e da conquista do carinho e da fidelidade dos stakeholders. Em vez disso, esses elementos prosperam manipulando o poder do governo em benefício do próprio enriquecimento. No “capitalismo entre amigos”, empresários e representantes da esfera pública estabelecem uma relação de compadrio movida a interesses particulares, em detrimento do bem-estar de muitos. Usam o poder político coercitivo para assegurar vantagens exclusivas, por meio de regulamentos que lhes são favoráveis e prejudicam seus concorrentes, leis que impedem o ingresso de novas empresas em determinados setores ou cartéis sancionados pelo poder público.
Enquanto o capitalismo de livre-iniciativa é inerentemente virtuoso e essencialmente necessário para a democracia e a prosperidade, o capitalismo de compadrio é antiético por definição e constitui grave ameaça à liberdade e ao bem-estar. É uma pena que o atual sistema político-econômico esteja corrompendo muitos empresários honrados, que ingressam relutantes na lógica do “capitalismo entre amigos” por uma questão de sobrevivência.
Isto é o que sabemos ser verdadeiro: um empreendimento capitalista é bom porque cria valor; é ético porque se baseia na troca voluntária; é nobre porque pode dar significado a nossa existência; e é heroico porque tira as pessoas da pobreza e cria prosperidade. O capitalismo de livre-iniciativa é uma das mais poderosas ideias que o ser humano já teve. Mas podemos aspirar a ainda mais. Basta não ter medo de subir mais alto.
Sandy Cutler, presidente e CEO da Eaton Corporation – empresa global de gerenciamento de energia com receita de mais de US$ 16 bilhões –, diz com propriedade:
Em um tempo em que surgem tantas perguntas e dúvidas sobre as principais instituições da sociedade, as empresas não têm feito particularmente um bom trabalho ao contar sua própria história – não se trata de contar vantagem, mas de realmente tentar ajudar as pessoas a compreender o papel da formação do capital, como ele é importante no fornecimento dos meios de subsistência para as famílias, o que os negócios fazem pelas comunidades e por instituições como escolas e universidades, e sua contribuição para o enfrentamento de muitos problemas sociais. Essa não é a maneira como muitas pessoas encaram hoje os negócios, vistos, ao contrário, como fonte de problemas da sociedade. Em sua grande maioria, porém, as empresas estão envolvidas com um trabalho excitante, por meio do qual as pessoas desenvolvem vívidas e compensadoras carreiras, tirando o sustento de suas famílias e fazendo a diferença em suas comunidades. E essa é uma história que vale a pena ser contada.
Longe de ser um mal necessário (como muitas vezes é retratado), o capitalismo de livre-iniciativa é um sistema extremamente eficaz para despertar, direcionar e multiplicar o engenho humano e industrial no sentido de gerar valor. Merece, portanto, ser defendido não apenas por causa dos lucros que movimenta, mas sobretudo por conta de sua moralidade fundamental. O capitalismo de livre-iniciativa tem de estar enraizado em um sistema ético baseado na criação de valor para todos os stakeholders. O dinheiro constitui uma medida de valor, mas certamente não é a única.
Marc Gafni é cofundador e diretor do Center for World Spirituality, organização sem fins lucrativos de São Francisco. Reconhecendo o tremendo impacto do capitalismo e dos negócios sobre o bem-estar humano, ele diz:
O capitalismo tirou mais pessoas da pobreza do que qualquer outra força na história, e o fez por meio de trocas voluntárias. O comunismo tentou tirar as pessoas da pobreza pela coerção, mas acabou matando milhões. O que significa tirar as pessoas da pobreza? Significa bebês sobrevivendo, bocas tendo o que comer, meninas indo à escola e se educando. Significa reagir à escravidão de uma forma nunca vista no mundo. Significa todos os valores das grandes tradições (espirituais) se legitimando em dois níveis: pelo fim da opressão física da pobreza e pela abertura de uma porta para o ser humano se capacitar para seu crescimento emocional, moral, espiritual e social. Tirar as pessoas da pobreza nunca foi a intenção consciente das empresas, mas tornou-se, sim, o subproduto dos negócios bem fundamentados. Agora, as organizações despertam para si mesmas e tornam-se conscientes. Isso equivale a se reconhecer como força com enormes poderes e responsabilidades. A conscientização nos habilita a fazer muito melhor o que já fazemos – pode despertar mais coletivismo, mais reciprocidade e, paradoxalmente, mais lucro, por engajar a todos no mesmo sistema.
De certa forma, os adeptos do capitalismo caíram na própria armadilha. Aceitaram como verdade uma conceituação estreita dos negócios e, em seguida, a transformaram em prática, moldando assim uma profecia autorrealizável. Caso rejeitassem essa versão caricaturizada e abraçassem a definição mais rica e complexa de capitalismo, muita coisa teria sido diferente. Um dos primeiros a teorizar sobre o papel dos stakeholders, EdFreeman, com alguns colegas, escreveu: “Negócios não têm a ver com fazer o máximo dinheiro possível. Têm a ver com a criação de valor para as partes interessadas. É importante dizer isso para permitir que os homens de negócios legitimem sua história. Temos de apoiar as numerosas empresas, grandes e pequenas, que estão lá fora tentando fazer a coisa certa para seus stakeholders, seguindo o verdadeiro paradigma dos negócios, e não exemplos profundamente deteriorados como o da Enron”.
Precisamos descobrir como resgatar aquilo que o capitalismo de livre-iniciativa sempre foi – o mais poderoso e criativo sistema de cooperação social e progresso humano jamais concebido. Depois, temos de repensar por que e como nos envolvemos em negócios, a fim de identificar em que fase da jornada humana nos encontramos e qual o estado do mundo em que vivemos. Necessitamos de uma narrativa mais rica e eticamente convincente, capaz de revelar aos céticos a verdade, beleza, bondade e heroísmo do capitalismo de livre-iniciativa, aposentando de vez os velhos e surrados clichês do interesse próprio e da maximização dos lucros. Caso contrário, corremos os riscos do crescimento contínuo de governos cada vez mais coercitivos, da cooptação das empresas ao “capitalismo entre amigos” e do consequente prejuízo que isso causa à liberdade e à prosperidade.
Aqueles que reconhecem e abraçam o poder afirmativo do capitalismo de livre-iniciativa devem resgatar seu alto patamar intelectual e moral. Gafni é eloquente sobre a necessidade de uma nova narrativa para o capitalismo:
Narrativas são histórias que infundem significado em nossas vidas. A narrativa acerca dos negócios importa muito, não só para a comunidade empresarial, mas para cada ser humano vivo. A maioria das pessoas no planeta trabalha em algum tipo de negócio, mas a narrativa dominante diz que empresas são gananciosas, exploradoras, manipuladoras e corruptas. Em sua maioria, então, os seres humanos no planeta veem-se a si mesmos como partícipes da ganância, da exploração, da manipulação e da corrupção. Quando se enxergam dessa forma, as pessoas realmente começam a se tornar assim. Mas a verdadeira narrativa é que, como participantes do mundo dos negócios, elas geram prosperidade e tiram os indivíduos da pobreza; estabelecem condições estáveis para famílias inteiras se formarem; ajudam a construir comunidades que disponham de escolas; geram espaços para elas mesmas trocarem valor, encontrarem sentido nas coisas, consolidarem relacionamentos e experimentarem intimidade e confiança. Quando se percebem como parte da maior força de transformação social positiva da história, as pessoas têm sua autopercepção alterada.