Que o trabalho está mudando em função da aceleração da conectividade e da tecnologia cognitiva, não é mais novidade, afinal de contas estamos no inicio da quarta e mais exponencial de todas as revoluções industriais. O que talvez seja novidade para muitos é que não estamos mais falando do que acontecerá daqui a 4 ou 5 anos e sim de algo que já possui um tamanho e uma velocidade que estão modificando a forma como o trabalho é realizado. Mesmo que para muitos ainda não seja percebido, quase todos os trabalhos estão sendo reinventados, criando o que algumas pessoas estão chamando de “força de trabalho aumentada”.
Na era da força de trabalho aumentada, o conhecimento perde sua importância deixando de ser um talento essencial, com exceção da matemática que, segundo pesquisas, continua essencial para 87% da força de trabalho que a utiliza atualmente, gerenciamento e administração (86%), conhecimento sobre educação e treinamento (79%) e conhecimentos sobre informática e eletrônica (72%).
Além disso, as habilidades ditas como necessárias para a economia digital também estão sendo questionadas: essas “habilidades digitais” escolhidas são realmente necessárias – ou, existem outros “talentos digitais” importantes que são vitais para a economia futura? Como é o trabalho do futuro?
Vejamos o exemplo da habilidade de codificação, que é muitas vezes citada como uma habilidade digital essencial, mas que agora começa-se a questionar a sua importância para a força de trabalho. Todavia, faz-se necessário destacar que o código do computador é a manifestação de uma combinação de outras competências, fornecendo um meio de adequirir habilidades essenciais como, por exemplo, ordenação de informações, indução e raciocínio dedutivo, flexibilidade, escrita, resolução de problemas complexos, julgamento e muitas outras habilidades cognitivas e comportamentais. Nós podemos fazer uma argumentação similar sobre o STEM[1]. Embora hoje os esforços da reforma curricular nas instituições de ensino sejam no sentido de colocar muito mais ênfase nas quatro disciplinas que contemplam o acróstico STEM: ciência, tecnologia, engenharia e matemática, talvez essas sejam apenas competências-meio, que ajudarão a construir as competências que são realmente essenciais.
A nova pesquisa “Talent for survival” publicada pela Deloitte em 2017, nos sinaliza que talvez precisemos reformular o que queremos dizer com “habilidades digitais” e, talvez, até mesmo como o nosso pensamento convencional em ciência, tecnologia, engenharia e matemática irá mudar para nos concentrarmos mais nas habilidades subjacentes, estratégicas e de construção de métodos do que na excelência acadêmica.
Neste mesmo sentido os conhecimentos acadêmicos, como as ciências físicas ou naturais, ou as artes e as ciências humanas, passam a ser importantes apenas para uma minoria de trabalhadores, assim como as habilidades digitais e técnicas, como de design de tecnologia que passa a ser importante para apenas 5% da força de trabalho que até agora tinha essa habilidade como um requisito importante. Além disto, deixará de ser relevante algumas habilidades como projetar, instalar ou operar máquinas, tecnologias e sistemas. O que será valorizado de agora em diante são as capacidades humanas que, uma vez associadas à automação tecnológica, aprofundam o resultado da realização do trabalho de ambos, máquina e ser humano, por haver uma colaboração entre os dois. Esse é em essência o conceito de “força de trabalho aumentada”.
À medida que esta tendência vai se tornando uma realidade, as organizações estão reconsiderando como devem projetar e criar empregos, organizar o trabalho e planejar o crescimento futuro.
O resultado da pesquisa Global Human Capital Trends, realizada em 2017 pela Deloitte, com mais de 10.000 executivos entrevistados em 140 países, mostrou que em 2017, 41% das empresas relataram terem sido totalmente implementadas ou fizeram progressos significativos na adoção de tecnologias cognitivas e de AI dentro sua força de trabalho e outros 34% dos entrevistados estavam no meio de programas-piloto.
Em 2017, essas mudanças paradigmáticas entraram em foco e a questão tornou-se mais urgente. As mudanças que irão remodelar a força de trabalho estão agora em um futuro próximo. As organizações estão redesenhando empregos para aproveitar os sistemas cognitivos e a robótica, e temos uma oportunidade para repensar o trabalho ao redor de algo que chamamos de “habilidades humanas essenciais”, reavaliando o papel das pessoas a medida que mais e mais funções se tornam automatizadas.
Dentre as novidades tecnológicas emergentes em 2017, segundo o relatório do Fórum Econômico Mundial realizado em colaboração com a Scientific American, estão tecnologias que, embora com imensa contribuição para a humanidade, irão revolucionar negócios, mercados e extinguir funções:
A inteligência artificial (IA) agora disputa e, muitas vezes, supera a capacidade de médicos e de outros tantos profissionais na interpretação do que eles vêem, observam e analisam. Os avanços recentes em tecnologias de processamento e análises de imagens digitais são possíveis graças a Rede Neural Convolucional (CNN do inglês Convolutional Neural Network ou ConvNet) que é uma classe de rede neural artificial, que “aprende” os filtros que em um algoritmo tradicional precisariam ser implementados manualmente. Essa independência de um conhecimento a priori e do esforço humano no desenvolvimento de suas funcionalidades básicas pode ser considerada a maior vantagem de sua aplicação.
Os sistemas de visão computacional alimentados por aprendizagem profunda (deep learning) estão sendo desenvolvidos para uma variedade de aplicações:
A aprendizagem profunda para tarefas visuais está fazendo parte das mais largas incursões na Medicina, onde, treinada para ler as imagens, pode acelerar os peritos na varredura e interpretação de dados, identificando com maior rapidez e precisão patologias – seja para triagem, diagnóstico, ou monitoramento da progressão ou resposta da doença à terapia. Os pesquisadores observaram que programas instalados em smartphones, podem fornecer soluções de baixo custo e acesso a cuidados e diagnósticos vitais. Sistemas também estão sendo desenvolvido para avaliar a retinopatia diabética (uma das causas de cegueira), acidente vascular cerebral, fraturas ósseas, doença de Alzheimer e outras doenças.
À medida que a população mundial cresce, será preciso produzir mais e mais alimentos. Contudo, a superfície cultivável não pode manter o ritmo e a ameaça à segurança alimentar poderia facilmente incorporar a instabilidade regional ou mesmo global. Para adaptação, grandes fazendas estão cada vez mais explorando a agricultura de precisão para aumentar os rendimentos, reduzir o lixo e mitigar o riscos econômicos e de segurança que inevitavelmente acompanham a incerteza agrícola.
A agricultura de precisão, combina sensores, robôs, GPS, ferramentas de mapeamento e software de análise de dados para personalizar o cuidado que as plantas recebem sem aumento de mão-de-obra. Sensores fixos ou montados em robôs equipados com câmeras sem fio, enviam imagens e dados de plantas individuais – por exemplo, com informações sobre o tamanho do caule, a forma da folha e a umidade do solo em torno de uma planta – para um computador, que procura sinais de saúde e estresse. Os agricultores recebem o feedback em tempo real e depois utilizam água, pesticida ou fertilizante em doses calibradas para apenas as áreas que precisam. A tecnologia também pode ajudar os agricultores a decidir quando plantar e quando colher. Como resultado, a agricultura de precisão pode melhorar o tempo de gerenciamento, redução do uso de água e produtos químicos, produzindo culturas mais saudáveis e maiores rendimentos.
Na última década, a construção e o reequipamento de casas individuais para reduzir o uso de energia e água cresceu de forma explosiva. No entanto, a aplicação de construção verde para vários edifícios ao mesmo tempo podem ser uma ideia ainda melhor. A partilha de recursos e infra-estrutura pode reduzir o desperdício em bairros pobres ou de classe média, trazendo também economia de dinheiro e tecnologia de ponta para pessoas que normalmente não possuíam tais oportunidades.
Trabalhar em nível de comunidade pode adicionar complexidade ao planejamento, mas os esforços oferecem recompensas que até mesmo casas unifamiliares verdes não podem oferecer. Um exemplo audacioso é o projeto Oakland EcoBlock, que é liderado por professores da Universidade da Califórnia, Berkeley. É um empreendimento multidisciplinar envolvendo designers, engenheiros, cientistas sociais e especialistas em políticas dos governos da cidade, estadual e federal, universidade, empresas privadas e organizações sem fins lucrativos. O programa irá trazer tecnologia existente para reduzir drasticamente o consumo de combustível fóssil e de água e diminuindo a emissão de gases que contribuem para o efeito-estufa. O dinheiro gasto em infraestrutura deve ser rapidamente recuperado com economias de despesas de operação, concomitantemente garantindo conforto e segurança dos residentes.
A computação quântica foi um sonho por quase 50 anos, oferecendo caminhos para a solução de problemas que nunca seriam possíveis com as máquinas clássicas. Exemplos incluem a simulação exata de químicas, desenvolvimento de novas moléculas e de novos materiais, resolvendo problemas complexos de otimização e encontrando a melhor solução dentre muitas alternativas possíveis.
Os computadores quânticos abordam problemas complexos ao aproveitar o poder da mecânica quântica. Em vez de considerar cada solução possível de cada vez, como uma máquina clássica, esses computadores se comportam de maneira que não pode ser explicada com analogias clássicas. Mais do que nunca a indústria tem uma necessidade de otimização, sendo esse um dos motivos porque essa tecnologia tem tanto potencial disruptivo.
Porém, até recentemente, o acesso aos computadores quânticos era restrito a especialistas em alguns laboratórios espalhados pelo mundo. O progresso nos últimos anos permitiu a construção dos primeiros protótipos que podem finalmente testar ideias, algoritmos e outras técnicas que até agora somente eram possíveis no campo teórico. Foram feitos progressos enormes. Em 2016 a IBM forneceu o acesso público ao primeiro computador quântico na nuvem – a experiência da IBM Q – com um interface gráfica para programação e agora uma interface com base na linguagem de programação popular, a Python. Abrir este sistema para o mundo alimentou inovações que são vitais para esta tecnologia progredir e, até à data, mais de 20 trabalhos acadêmicos foram publicados usando esta ferramenta.
O campo está se expandindo dramaticamente. Grupos de pesquisas acadêmicas, mais de 50 startups e grandes empresas em todo o mundo estão focadas em fazer a computação quântica uma realidade. E muitos guias de computação quântica estão disponíveis online para ajudá-los a começar. Ainda há muitos obstáculos. Os tempos de coerência devem melhorar, as taxas de erro quântico devem diminuir e, eventualmente, devemos mitigar ou corrigir os erros que ocorrem. Os pesquisadores continuarão a dirigir inovações tanto no hardware quanto no software. A boa notícia é que esse dia está finalmente na mira para acontecer. À medida que a computação quântica fica disponível em maior escala, maior será o poder das pessoas para resolver problemas difíceis.
Essas são apenas quatro das dez tecnologias emergentes constantes do relatório divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, mas já nos dá uma boa noção do poderio de inovação destrutiva que elas carregam. As novas tecnologias emergentes avançam a passos largos fazendo com que as expectativas para os próximos anos seja de muita atualização, reciclagem e reinvenção de negócios e da forma de trabalhar. É claro que carregam consigo um leque ainda maior de oportunidades para quem estiver preparado.
Para evitar a obsolescência profissional e preparar-se para as oportunidades que estarão surgindo, sugerimos que a partir de agora o plano de ação de curto prazo, passe por familiarizar-se com as tendências tecnológicas da sua área de atuação e pela compreensão de quais das habilidades exigidas pela sua profissão são essencialmente humanas, como o propósito, habilidades sociais, o pensamento ético, algumas habilidades necessárias para a criatividade e para o pensamento lateral, algumas habilidades de resolução de problemas e de tomada de decisão, que devem permanecer no domínio do ser humano, pelo menos em um período de médio prazo.
A partir desta análise será possível estabelecer a sua força de trabalho ampliada, ou seja, como utilizará suas habilidades e técnicas para harmonizar com as novas tecnologias e com isso se preparar melhor neste momento de incertezas – o aumento de capacidade e de desempenho ao utilizar a tecnologia para ajudar você e os demais seres humanos a trabalhar melhor, mais inteligentemente e mais rápido.
Assim, em vez de ver essas novas tecnologias como competidoras intrusas, você poderá vê-las como parceiras e colaboradoras na resolução de problemas complexos e criativos à medida que avança para a essa nova era. Está em suas mãos.
[1] A sigla STEM é um acrônimo em inglês usado para designar as quatro áreas do conhecimento: Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (em inglês Science, Technology, Engineering, and Mathematics). No contexto educacional, o termo STEM possui hoje a função de identificar as quatro áreas e de interligá-las, incentivando a aprendizagem interdisciplinar, com foco na aplicação prática do aprendizado. O ensino e a aprendizagem STEM carrega consigo a busca pela compreensão e pelo real impacto dessas disciplinas no mundo. Um dos grandes objetivos desse modelo de ensino é preparar estudantes de hoje para o mercado de trabalho do amanhã.
Imagem da capa: cortesia Deloitte.
Por Marcus Ronsoni, publicado originalmente em O Futuro das Coisas