A aceleração da destruição criativa no mundo contemporâneo tem levado profissionais, sobretudo aqueles de gestão de pessoas, a refletirem sobre como será o futuro do trabalho.
Essa velocidade disruptiva é característica da Quarta Revolução Industrial. Embora o tema esteja sendo pautado constantemente, acredito que há espaço para novas reflexões sobre como nós – pessoas, organizações e sociedade – podemos nos preparar para o que está por vir.
Para falar sobre o futuro do trabalho é preciso esclarecer, primeiramente, sobre que futuro estamos falando. Qual é a dimensão de tempo? Seis meses? Cinco anos? Uma década, duas, três ou quatro?
Conforme a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) 2015, do IBGE, parte da população brasileira é distribuída nas seguintes faixas etárias:
– 29,5% da população têm menos de 20 anos;
– 30,7% têm entre 20 e 39 anos;
– 25,4% das pessoas estão na faixa entre 40 e 59 anos.
Desta forma temos, no mínimo, três grupos ligados ao mercado de trabalho. Cada um deles com preocupações distintas e com suas próprias perspectivas de tempo. As crianças e os jovens que ainda não ingressaram no mercado do trabalho precisam olhar para o médio e longo prazo; aos jovens e adultos, que estão iniciando ou consolidando uma carreira, além do médio e longo prazo, interessam as mudanças que impactam suas profissões imediatamente; e para os adultos seniores, em fase de maturidade ou declínio de empregabilidade, as decisões e reflexos são ainda mais imediatos, em curtíssima, curta e média escala de tempo.
Vejamos as implicações e realidade de cada recorte temporal:
Entre as principais tendências para o trabalho na atualidade temos:
Uma grande mudança prevista para curto prazo é que o trabalho deixará de ser sinônimo de dar expediente e passará a ser resultado e entregas. Imagine que um trabalhador passou um dia inteiro dentro da empresa tentando resolver um problema, sem sucesso. Ao final da jornada diária ele fez jus a sua remuneração, tendo direito, inclusive, às horas extras caso tenha trabalhado um pouco mais para tentar resolver a questão.
Em um futuro breve, o custo da ineficiência será do colaborador. No trabalho remoto não existirão horários definidos para o expediente nem exigência de local, apenas objetivos e tarefas. O profissional é avaliado e remunerado por sua capacidade de entrega.
Também conhecido como Freelance Economy, é o trabalho sob demanda. O trabalhador não possui vínculo empregatício e, tampouco, benefícios e direitos previstos na CLT. Exemplos clássicos são a Uber e o Cabify. Estudo feito pelo JPMorgan Chase Institute revela que, nos Estados Unidos, o número de trabalhadores nesta modalidade cresceu 10 vezes desde 2012 e que 4% dos adultos já trabalharam pelo menos uma vez neste formato. Outra pesquisa, da Intuit Research, prevê que, até 2020, a Gig Economy compreenderá 34% dos trabalhadores americanos.
Mas, tal modalidade não será restrita a empresas como Uber e Cabify, que já surgiram com essa proposta. Organizações de todos os tipos tenderão a contratar serviços de acordo com demandas pontuais, em variados mercados. Por outro lado, os trabalhadores prestarão serviços a diversas empresas ao mesmo tempo, trabalhando por projetos independentes, onde a qualidade do trabalho entregue e a sua marca pessoal serão fundamentais para garantir novas contratações.
Essa não será uma transição fácil, principalmente para os profissionais mais seniores, pois representa uma profunda mudança de paradigma, tanto em termos de relacionamento com as organizações como nos formatos de remuneração e carreira.
Sempre ligado. Ao mesmo tempo em que há uma crescente busca por qualidade de vida, o profissional passa a estar disponível integralmente para suas funções.
A quantidade de dados sobre a produção da empresa aumentará com as novas tecnologias. O profissional terá a missão de entender o que eles significam e como podem ser usados para obter melhores resultados. Para isso, precisa conhecer outras áreas. O profissional do futuro é aquele que não é só um excelente engenheiro, médico, contador, designer, mas uma pessoa com capacidade analítica, que consegue conectar conhecimentos e construir soluções criativas.
As carreiras estruturadas estão desaparecendo. Segundo a pesquisa Tendências do Capital Humano 2017, da Deloitte, em todo o mundo 65% das empresas apresentam modelos de carreira abertos e flexíveis e apenas 19% mantêm um modelo estruturado e menos aberto. Isso muda completamente a forma de planejar carreira. Ser bem-sucedido deixa de ser sinônimo de ganhar posições hierárquicas e chegar a uma gerência ou diretoria. A era da criatividade destrutiva tende a recompensar as organizações que substituem as hierarquias rígidas por redes de equipes mais ágeis e empoderadas.
Em tempo real, constantemente e de forma acelerada. Flexibilidade e aprendizado rápido e continuo são ainda mais valorizados em tempos de mudanças exponenciais. O ímpeto de questionar se a rotina pode ser aprimorada e a habilidade para resolver problemas complexos são competências raras e cobiçadas pelo mercado.
Além disso, aprender heuristicamente, equilibrando amplitude e profundidade e conectando conhecimentos dispares será um diferencial. Sintetizar a complexidade em algo simples, chegando a propostas óbvias, mas nunca antes pensadas, é um exercício que exige preparação, estudo conhecimento e uma mente treinada.
Além disso, serão valorizadas as competências de relacionamento interpessoal e de liderança. Neste novo cenário até mesmo a liderança será por projetos, com indivíduos participando de ações paralelas, podendo ser líderes e liderados simultaneamente.
Já vivenciamos um cenário de trabalhadores muito mais independentes. Cada vez mais se exigirá proatividade, autogestão, foco em resultado, definição e redefinição dos seus produtos e serviços e gerenciamento da marca pessoal.
Quanto mais se avança no tempo mais difícil fica estabelecer previsões. No entanto, existe uma tendência clara que parece irreversível: a valorização do pensamento complexo, das relações humanas e da criatividade, em detrimento do trabalho repetitivo e braçal. Nesta linha, algumas profissões serão extintas, outras valorizadas.
Especialistas consultados pela Revista Exame apontam carreiras com indícios de prosperidade, como as ligadas à sustentabilidade; menor impacto ambiental; redução e direcionamento correto de resíduos; profissões relacionadas ao setor de energia; alta tecnologia em saúde; estudos genéticos e novos medicamentos; padronização de operações e logística; gestão da inovação; marketing e e-commerce; relacionamento com clientes; especialistas de dados em nuvens; inteligência artificial; entre outras.
Quando o exercício passa a ser projetar o futuro para 10, 15, 20 ou mais anos, toda e qualquer abstração parece pouco. Neste período, a inteligência artificial terá avançado ao ponto de resolver muitos de nossos problemas atuais. Todos os computadores do mundo já deverão estar conectados a um único “cérebro mãe” que reunirá informações e descobertas globais, garantindo que os conhecimentos produzidos não se percam.
Também é possível apontar consideráveis avanços na medicina, com produção de órgãos humanos a partir de células tronco e transplantes a partir de órgãos impressos em 3D. Além disso, a produção de materiais em grafeno, que é 300 vezes mais resistente que o aço e extremamente fino, permitirá uma nova revolução tecnológica. As maiores corporações do mundo terão, cada vez mais, sua soberania ameaçada por tecnologias e negócios disruptivos, vendo o crescimento exponencial de startups conduzidas por jovens sem experiência.
O que se pode prever para um futuro mais distante é que o trabalho continuará existindo, embora os robôs, a inteligência artificial e a tecnologia substituam as atividades mecânicas e rotineiras. Profissões como carteiro, motorista, recepcionista, empacotador, auxiliar financeiro, telemarketing, entre outras, serão extintas.
Ao orientarmos nossas crianças e jovens sobre o futuro do trabalho, uma das preocupações deve ser a reflexão sobre valores morais e éticos, preservação do meio ambiente e sustentabilidade.
O trabalho do futuro demandará profissionais com altíssima adaptabilidade, que combinem profundidade de especialistas e amplitude de generalistas, que não tenham medo de correr riscos calculados e que naveguem bem em um ambiente multicultural. No entanto, carisma, generosidade e capacidade de gerir pessoas são habilidades fundamentais em qualquer momento da história humana.
Por Marcus Ronsoni, publicado originalmente em O Futuro das Coisas