Ainda existem muitas dúvidas sobre o que é mentoria organizacional e quais são suas fronteiras. Mesmo entre os estudiosos e pesquisadores do tema é possível encontrar delimitações desencontradas e até mesmo contraditórias. Além disso, para muitos não está clara a fronteira entre a mentoria e outras abordagens de desenvolvimento pessoal ou profissional.
O que podemos afirmar é que a palavra “mentor” constou em um dicionário pela primeira vez em 1750, na França, dado ao sucesso da obra As aventuras de Telêmaco, escrita por François de Salignac de La Mothe-Fénelon, em 1699. O livro de Fénelon é uma releitura da obra greco-antiga Odisseia atribuída a Homero, onde o personagem Mentor era um sábio e fiel amigo de Ulisses, rei de Ítaca.
Neste romance mitológico, Mentor foi quem deu suporte, orientação, inspiração e coragem para que Telêmaco, filho de Ulisses, pudesse seguir em busca de notícias de seu pai que, muitos anos após o fim da Guerra de Troia, ainda não havia retornado ao lar.
No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, mentor é a pessoa que, pela sua sabedoria e experiência, ajuda outra como guia ou conselheira. Também é a pessoa que inspira outras.
Duas palavras me chamam a atenção nesta definição: sabedoria e experiência. Para mim, essas são as condições sine quibus non. Embora as palavras guia, conselheira, suporte, orientação, coragem e inspiração também estão explicitadas acima, originam-se na existência da sabedoria e experiência. Então, mentor é aquele que pela sua sabedoria e experiência inspira outras pessoas.
Não que o papel do mentor se restrinja à “inspiração”, mas esta possui uma soberania sobre as demais ações que o qualificam. Uma pessoa não guiará, aconselhará, dará suporte e coragem a outra se não for capaz de inspirá-la. E, como dito anteriormente, no caso do mentor, essa inspiração fecunda-se na sabedoria e experiência.
Talvez você esteja se perguntando como diferenciar um mentor de um consultor ou de um coach. Afinal de contas, um consultor é, ou pelo menos deveria ser, um especialista nas temáticas que realiza consultorias e o coach também inspira pessoas.
Embora seja possível encontrar incontáveis respostas, de forma simples, o que os diferencia são seus objetivos. Os objetivos justificam as abordagens. E os objetivos do consultor e do coach são paradoxais.
E qual é o paradoxo que os coloca em lados opostos? O consultor tem seu foco no problema. Seu objetivo é resolver o problema de seus clientes da forma mais eficiente e eficaz. Já o coach tem o foco no desenvolvimento dos seus clientes e o problema ou situação são apenas o meio para que esse desenvolvimento ocorra. Vou ilustrar com exemplos para que esses conceitos ganhem forma…
Há mais ou menos dois anos fui acometido de uma tosse persistente. Depois de mais de um mês tentando alternativas caseiras, resolvi procurar um médico. Marquei uma consulta com o Dr. Adalberto Sperb Rubin, pneumologista, doutor em medicina, professor adjunto da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), chefe do Serviço de Pneumologia da Santa Casa de Porto Alegre, onde é responsável pelo Laboratório de Função Pulmonar. Sem dúvida um especialista no tema.
A minha consulta durou não mais do que vinte minutos. Pelo que me lembro, nesse tempo ele me fez duas ou três perguntas, auscultou meus pulmões, realizou uma espirometria e prescreveu a receita de dois medicamentos, indicando-me a forma de usar durante os próximos quinze dias. Por fim, recomendou: “Isso deve resolver, caso os sintomas não tenham desaparecido em, no máximo, duas semanas, não deixe de voltar aqui”. Ele é um ótimo consultor. Em uma consulta de vinte minutos, encontrou a solução para um problema que já me assolava havia mais de trinta dias.
Agora, imaginemos que, em vez de um médico, ele fosse um coach e resolvesse utilizar a mesma abordagem. Em uma primeira sessão, após eu relatar que normalmente inicio minha rotina de trabalho às 5h30min, terminando próximo às 20h, que viajo quase todas as semanas e que é difícil o final de semana em que não trabalho pelo menos um turno, sendo que em alguns trabalho o final de semana inteiro, ele já teria um diagnóstico: “Você precisa equilibrar sua vida profissional com as demais dimensões de sua vida”.
Com base nesse diagnóstico, ele levantaria algumas hipóteses e as validaria com mais duas ou três perguntas, apurando um pouco sua percepção e arriscaria uma orientação para solucionar o meu problema: “Você está trabalhando demais e não está tendo tempo para sua família, saúde e lazer. Sugiro que diminua seu ritmo diário e que não trabalhe mais aos finais de semana, dedicando o seu tempo para sua família. Diminua seu custo de vida, assim não precisará trabalhar tanto. Além disso, você deve praticar esportes pelo menos três vezes por semana e melhorar a sua alimentação. Recomendo que faça natação, pois é um esporte completo. Além disso, não coma carne bovina mais do que uma vez por semana”.
Embora suas recomendações possam ser coerentes, dificilmente eu lhe daria a chance de um segundo encontro. Normalmente, quando procuramos um coach nossa expectativa não é receber todas as respostas, mas conversar com alguém que sabe fazer as perguntas certas.
O papel do coach não é o de ser um especialista com soluções prontas, mas alguém que consegue levar o coachee às próprias conclusões. Alguém capaz de confrontar convicções, ampliando a percepção sobre a situação-problema, possibilitando um olhar sobre as várias alternativas possíveis e facilitando que o coachee perceba os prós e os contras de cada escolha, tendo, assim, maior consciência das consequências imediatas e de longo prazo, permitindo escolhas mais sensatas e assertivas.
Ao se buscar um consultor, deseja-se um especialista que tenha a receita para resolver um problema específico, ou seja, uma pessoa que tenha as respostas. Já o coach tem como objetivo o desenvolvimento do coachee para que ele próprio encontre suas alternativas, em congruência com o seu estilo e valores. Além disso, o coach tem como missão desenvolver o coachee promovendo sua autonomia.
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Então, se de um lado está o consultor com a receita, do outro está o coach utilizando o problema como meio para o desenvolvimento, entre esses dois pontos encontra-se o mentor.
O mentor deve ser um especialista, ter conhecimento e experiência nos temas que se propõe a mentorar, mas ao mesmo tempo não se contenta em apenas entregar respostas prontas, pois seu objetivo é desenvolver o mentorado.
Além disso, o mentor sabe que em alguns momentos ele pode dar a receita, dizendo como deve ser feito, pois isso ajudará a encurtar caminhos. Contudo, mentorar é diferente de instruir, pois para algumas questões, atuar como instrutor ou consultor estará fragilizando suas respostas; o que serve para uma situação e para uma determinada pessoa, nem sempre serve para outra.
O legado da mentoria não se resume a resolver uma determinada situação, a consultoria é mais propícia para isso, as intervenções de um mentor têm o potencial de interferir no modelo mental do mentorado (mindset).
Um exemplo disto é o do pastor protestante e ativista político estadunidense Martin Luther King Jr. que teve pelo menos três mentores.
O autor afro-americano, filósofo, teólogo, educador Howard Washington; o ativista pelos direitos civis dos afro-americanos Bayard Rustin; e o ministro batista americano Benjamin Elijah Mays. Cada um destes líderes políticos contribuiu para o mindset de Luther King.
Howard Washington conheceu Gandhi em 1935 e trouxe para King o movimento político não violento, dando poder a sua voz. Bayard Rustin mostrou a King que a esfera “política” era mais eficaz para o movimento negro que a esfera do “protesto”. Benjamin Mays referenciou King com as bases intelectuais do Movimento dos Direitos Civis, que orientaram muitas de suas decisões.
Estes três mentores de King contribuíram muito além das fronteiras do conhecimento e da experiência. Arrisco dizer que eles dificilmente teriam conseguido tamanha interferência no modelo mental de King se tivessem agido como consultores. Também seria muito difícil contribuir tanto para o mindset de King com uma abordagem de coaching.
Analisando suas atitudes, é perceptível que seus valores e crenças foram recheados dos conceitos e da experiência de seus mentores. Certamente, eles não o orientaram apenas fazendo boas perguntas, mas também não acredito que davam todas as respostas, principalmente considerando que King era um homem de convicções fortes.
Um bom mentor vai além da experiência sobre determinado assunto e não se restringe a um método, técnicas ou ferramentas. Para isso, faz-se necessário uma boa dose de sabedoria.
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