Soraya Bahde, diretora de Gente e Inovação na Alelo, é responsável pelo Programa de Mentoria Reversa na organização. A Alelo é uma empresa de serviços financeiros, especializada em benefícios, incentivos e gestão de despesas corporativas. Fundada em 2003 pelo banco CBSS (Companhia Brasileira de Soluções e Serviços), a companhia hoje pertence ao Grupo Elopar, holding fruto de uma parceria do Banco do Brasil com o Bradesco.
Soraya Bahde: No nosso caso, na Alelo, colocamos dois olhares: a idade, porque buscávamos uma troca entre gerações diferentes e, também, focamos em diferenças hierárquicas relevantes, entre quem já está com a carreira consolidada, como executivo, e quem está começando na carreira. São duas visões que acreditamos ser bastante propícias para fomentar essa troca.
Mas o reverso é, principalmente, por quem está desempenhando o papel de mentor. Porque poderíamos ter os mesmos participantes em uma mentoria tradicional, com o profissional mais sênior mentorando o profissional júnior.
Então a definição do reverso está aí: fazer o contrário do que é esperado. Uma pessoa jovem e menos experiente sendo mentora de uma pessoa sênior. Esse é o grande aprendizado, a disrupção da técnica.
Soraya Bahde: Fizemos um primeiro ciclo piloto em 2019, que vamos expandir agora. Foram 4 diretores envolvidos no projeto, com 4 jovens mentores. E a ideia, agora, é expandir o programa para trazer não apenas o C-Level, mas outro nível de alta liderança, os superintendentes. Vamos priorizar esse time em contato com os jovens profissionais.
Soraya Bahde: Foi superinteressante, porque eu tenho menos de 40 anos. No começo eu pensei: será que vai me agregar? Mas, além da questão da idade, de diferentes gerações, têm outras questões. Por exemplo, o papel que a pessoa desempenha na organização e a visão que ela tem sobre a organização, a partir do lugar que ocupa. Além de temas relacionados à própria sociedade.
Meu mentor atua na área comercial, é um jovem dedicado, muito esforçado, então debatemos assuntos complexos, como costumes, desafios de saúde mental dessa geração, uso de redes sociais. E, veja, sou de uma geração first mover, eu comecei a usar muitas das tecnologias que hoje estão consolidadas. Fui uma das primeiras usuárias do Twitter, do Facebook, sou nativa de várias coisas. Mas o uso que esse público mais jovem faz é muito diferente. Eles têm outras expectativas em relação às ferramentas. E o mesmo em relação ao trabalho e outras áreas da vida.
Então, para trazer um exemplo da rede social, eu não quero ter ninguém desconhecido, que não seja próximo, me seguindo. A visão dos jovens é oposta, não existe isso de ser fechado. A rede é aberta, porque é uma ferramenta de conhecer gente, de paquera. É outra dinâmica, completamente diferente.
E entender esse jeito de pensar, ouvir de verdade sobre o significado disso para ele e os amigos, um público com o qual se identifica e representa, foi muito enriquecedor.
Trouxe vários insights sobre como a organização se relaciona com esse público. Às vezes temos alguns estereótipos, como: o jovem quer trabalhar com propósito. Mas os jovens não são um grupo homogêneo. Tem os jovens de classe média alta, que eventualmente têm ótimas condições de vida e, aí sim, só querem trabalhar com propósito. Mas têm vários outros perfis de jovens, com outros objetivos. Existem muitos obcecados por uma vida instagramável, para quem ter dinheiro para ostentar é a motivação do trabalho, por exemplo. Ao mesmo tempo em que a cultura está levantando a bandeira de menos consumo. Então são várias contradições que, quando você olha só para o estereótipo, não são óbvias.
Soraya Bahde: Vejo dois ganhos principais e eles são correlacionados. Primeiro, a empatia. Falamos muito em empatia, a palavra está na moda, mas, na prática, as pessoas têm poucas situações nas quais se colocam realmente para ouvir. Todo mundo faz curso de oratória e não tem nenhum curso de escutatória no mercado fazendo sucesso. Então, para mim, a mentoria reversa é um curso de escutatória para o executivo. O nosso dia a dia, como líderes, nos formou para falar muito, dar direcionamento, dar opinião. E ir para um encontro onde o objetivo é ouvir e desenvolver essa empatia tem um valor imenso, incomensurável, para o líder. Esse foi o primeiro grande ganho.
O segundo tem a ver com essa questão dos costumes, do jeito de pensar. Para nós, o programa ajudou a impulsionar a agenda de diversidade. Já imaginávamos que seria uma fortaleza, que os jovens trariam a leveza com a qual eles pensam sobre esse tema, e eles conseguiram contagiar ainda mais a liderança da empresa, que já estava mobilizada em relação a isso. A mentoria reversa ajudou a criar empatia, falar sobre situações reais e se aproximar dessa bolha que, não necessariamente, é a sua.
Soraya Bahde: O nosso programa foi zero focado em ferramentas. Demos alguns temas como sugestão e foram todos mais comportamentais, como diversidade, mídias sociais, inovação e tecnologia. As coisas estão muito relacionadas. Você está falando de mídias sociais e, de repente, passa a falar de saúde mental, de julgamento, de fake news. Nosso foco foi trabalhar mindset.
Soraya Bahde: Por conta da empatia e da aproximação que um programa desse tipo gera, eu acredito que, mesmo em organizações mais tradicionais, dá para encaixar muito bem em uma agenda de desenvolvimento de executivos. Eu acho que funciona, realmente, para qualquer tipo de organização.
Uma recomendação que eu dou é fazer um piloto, convidando algumas pessoas, para gerar interesse, criar uma sensação de escassez. Ao invés de começar com um programa obrigatório, para toda a empresa. Quem participa fala tão bem que o programa se vende sozinho.
Soraya Bahde: Nós fizemos um workshop preparatório para os mentores, falando sobre esses riscos e orientando sobre como se preparar e exercer seu papel. Trabalhamos para empoderá-los. Depois, tivemos um workshop de integração, entre mentores e mentorados, falando sobre temas polêmicos, como um quebra- gelo. Nesse dia também apresentamos aos mentorados as regras do mentoring reverso.
Claro que, conforme o relacionamento entre mentor e mentorado se desenvolve, fica uma conversa mais orgânica, mais fluida, vira uma troca, realmente. Mas não tivemos relatos de alguém que não tenha conseguido exercer seu papel de mentor, pelo contrário, os executivos beberam muito da fonte. Isso rendeu várias coisas legais, por exemplo, um dos diretores comerciais acabou convidando a mentora dele para palestrar, em uma convenção com a equipe de vendas, sobre diversidade, um tema que havia sido abordado na mentoria.
Soraya Bahde: Em geral, toda vez que um líder tem uma situação de proximidade com alguém mais jovem, surge essa responsabilidade de ler a situação, o cenário, o contexto no qual as coisas estão se desenrolando e onde aquele interlocutor está inserido. Muitas vezes, nessa fase da vida, o próprio jovem ainda não tem maturidade emocional para se dar conta de tudo que está acontecendo com ele.
Então, nesse lugar de escuta em que o mentorado está, ele vai perceber muita coisa e vai ter um papel, que pode ser de conforto, de empoderamento, de desafio, uma contribuição que ele pode deixar.
Porque os jovens se sobrecarregam muito, têm muita pressão, vinda de todos os lados, mas a principal vem deles mesmos. A forma como a comunicação está acontecendo gera comparação entre as pessoas o tempo todo, e o jovem cresceu nesse ambiente. Isso pode virar um peso, uma carga emocional muito forte.
E nós conseguimos, com a experiência, com maturidade, conversando sobre os assuntos, ajudar a trazer um pouco de perspectiva. Essa é uma relação que, quando tem contribuição dos dois lados, tem tudo para durar, independente de um programa de mentoria estruturado pela uma empresa.
Soraya Bahde: A primeira coisa é começar pequeno, ao invés de fazer um megaprograma, fazer um menor, ver os aprendizados. E aí, sim, expandir. Uma coisa que vamos fazer no ciclo de 2020 é colocar os mentores do primeiro ciclo como facilitadores dos próximos mentores. Outra dica é começar com pessoas convidadas, não como algo obrigatório. E não complicar muito, essa é uma metodologia de alto valor e com baixa complexidade de implantação.
*Essa entrevista está no nosso livro, Mentoring: Manual do mentor organizacional, escrito por Marcus Ronsoni, Petula Borges e Cássia Marques.*