A inteligência artificial (IA), tecnologias cognitivas e a robótica fazem parte de uma realidade que está levando à reestruturação dos trabalhos. Mas se as atividades de hoje são mais alimentadas por máquinas e orientados por dados do que no passado, elas também exigem mais habilidades humanas na solução de problemas, comunicação, interpretação e design. Como as máquinas assumem as tarefas repetíveis, muitos empregos evoluirão rapidamente para o que chamamos de “superjobs” – a mais nova categoria de trabalho que muda a forma como as organizações pensam suas estruturas.
Nos últimos anos, muitos têm se alarmado com estudos que preveem que a IA e a robótica acabarão com os empregos. Em 2019, esse tópico continua sendo uma preocupação entre os participantes da pesquisa Global Human Capital Trends. Quase dois terços dos entrevistados deste ano (64%) citaram a IA e a robótica como uma questão importante ou muito importante no capital humano.
Mas o medo das perdas de empregos para a tecnologia são realistas?
E quais as outras implicações do crescente uso destas tecnologias no local de trabalho?
Primeiro, vamos discutir a tecnologia. O mercado para tecnologias como automação robótica de processos (RPA) – software para automatizar tarefas manuais – vem crescendo 20% ao ano e provavelmente atingirá U$ 5 bilhões até 2024.
Refletindo esse crescimento, 41% dos entrevistados dizem já estar usando a automação em várias funções. E esses números tendem a aumentar. Em nossa pesquisa, mais de 80% dos entrevistados previam crescimento de tecnologias cognitivas e IA. As organizações que estão usando essas ferramentas já percebem os benefícios de investir nelas.
Dado esse crescimento na adoção, a pesquisa também mostra que o nível de “medo” e “incerteza” em torno das tecnologias está crescendo. Apenas 6% dos entrevistados disseram que suas organizações estavam “completamente prontas” para o uso. Isso sugere que estão apenas começando a entender as enormes implicações em toda a força de trabalho, em design, qualificação e o processo de reinvenção envolvido.
Enquanto alguns podem ser eliminados, nossa opinião é que a maioria está mudando. Nos Estados Unidos apenas 38% dos entrevistados disseram esperar que a tecnologia elimine empregos em suas organizações dentro dos próximos três anos e somente 13% acreditam que a automação acabará com um número significativo de posições, diferente das respostas de poucos anos atrás.
Pesquisas anteriores da Deloitte postularam que a remoção das atividades rotineiras, na verdade, torna o trabalho muito mais humano, permitindo a contribuição de pessoas e a aumentando sua importância e valor. A grande revolução provocada pela automação e a IA não reside na capacidade de substituir o trabalho humano com máquinas, mas no aumento da força de trabalho, permitindo que as funções humanas sejam reformuladas, abrindo espaço para habilidades como resolução de problemas e a capacidade de criar novos conhecimento.
“É a capacidade de fazer, o nosso senso do mundo, que nos torna exclusivamente humanos e nos separa dos robôs – e isso atravessa todos os níveis da sociedade.”
A forma como as organizações fazem uso da tecnologia fala sobre essa ideia. Este ano, enquanto 62% dos entrevistados dizem estar usando a automação para eliminar o trabalho transacional e substituir tarefas repetitivas, 47% relatam estar aplicando na melhoria da produtividade e 36% estão “reinventando o trabalho”.
O cenário que se desenha mostra que, à medida que as máquinas substituem os seres humanos, realizando suas atividades, os trabalhos estão evoluindo para novas combinações de habilidades e capacidades humanas. Isso cria a necessidade das organizações redesenharem as atividades e funções – junto com seus negócios e processos de trabalho – para acompanhar o ritmo.
No design tradicional as organizações criam funções fixas e estáveis, com descrições e hierarquias de posições. Quando parte dos trabalhos é automatizada, o que resta para os seres humanos é, geralmente, mais interpretativo e orientado a serviços, envolvendo resolução de problemas, interpretação de dados, comunicação, atendimento ao cliente, trabalho em equipe e colaborativo. No entanto, essas ‘habilidades superiores’ não são tarefas fixas, como os empregos tradicionais. Por isso, estão forçando as organizações a criarem posições mais flexíveis e evolutivas, com definições menos rígidas de funções e papéis.
O que antes se enquadrava em uma variedade de nomes – “gerente”, “designer”, “arquiteto” ou “analista” – está evoluindo para o que chamamos de “superjobs”.
Pesquisas mostram que os empregos com maior demanda e aceleração mais rápida de salários são os chamados “empregos híbridos”, que integram hard skills (habilidades técnicas) – como conhecimento de tecnologias, análise e interpretação de dados – com “soft skills” (habilidades comportamentais) – como comunicação, empatia e colaboração.
Superjobs também podem combinar funções de diferentes trabalhos tradicionais em áreas integradas, que alavancam a produtividade e trazem ganhos em eficiência, como quando as pessoas trabalham com máquinas inteligentes, dados e algoritmos, por exemplo.
• Trabalhos tradicionais: funções que exigem um conjunto de habilidades específicas e restritas. Geralmente organizados em torno de tarefas repetitivas e procedimentos padrão.
• Trabalhos híbridos: atividades que demandam uma combinação de habilidades, técnicas e comportamentais / sociais.
• Superjobs: funções que combinam atividades e responsabilidades de vários trabalhos tradicionais, usam tecnologia para aumentar o escopo do trabalho e envolvem um conjunto complexo de habilidades técnicas e comportamentais.
Se as organizações simplesmente automatizam as tarefas existentes, provavelmente haverá alguma melhoria no rendimento. Mas se os trabalhos já forem projetados para combinar os pontos fortes do ser humano com a inteligência de máquinas e sistemas, o resultado pode trazer melhorias significativas nos serviços, atendimento ao cliente, relacionamento em equipe e produtividade.
O redesenho dos trabalhos e a reestruturação de fluxos, para criar papéis significativos para as pessoas, é um desafio substancial do RH. Isso exigirá novas ideias e altos níveis de colaboração em toda a empresa. E será preciso um plano consistente para assumir esse desafio.
O trabalho de recodificação para o futuro exige uma nova abordagem: não apenas reescrever descrições de cargo. Comece com um cenário mais amplo e vá compondo o trabalho, de forma que aproveite tecnologias e recursos humanos únicos como imaginação, curiosidade, autodesenvolvimento e empatia.
Isso contrasta com a forma tradicional de criar descrições de cargo, que normalmente são definidos por uma visão estreita das habilidades, atividades, tarefas e expectativas de trabalhadores em funções altamente específicas. Em muitas organizações isso levou a uma proliferação das pouco inspiradoras Descrições de Cargos e Perfis.
Imagine isso no contexto do RH, que vê seu papel mudando drasticamente. A tecnologia pode fornecer informações em tempo real sobre o sentimento do trabalhador e comportamentos em toda a empresa. Através da combinação de dados com habilidades humanas o RH assume um papel inteiramente novo, de “arquiteto de experiência”.
* Esse artigo faz parte do Global Human Capital Trends e foi traduzido e adaptado com autorização da Deloitte.